domingo, 3 de abril de 2011

Aos músicos da cidade do Rio de Janeiro

Vejo com surpresa e apreensão a recente crise na OSB. A apreensão se justifica por eu ser neta do Maestro José Siqueira - fundador dessa orquestra e constante defensor dos interesses da classe musical - e acompanhar a postura e a impostura dos atuais dirigentes com relação aos músicos, aos patrocinadores, aos assinantes e ao público em geral. Quanto à minha surpresa, ela se deve ao fato de eu não pertencer ao meio artístico, de ser profissional da área de comunicação e de publicidade e, até hoje, não haver imaginado que tamanha insensibilidade fosse possível em pessoas cuja atividade toca o que há de mais sublime na expressão humana.

Meu avô era um idealista, um visionário de incansável ânimo. Nascido há 104 anos, falecido há 26, tem hoje sua memória como compositor e como realizador bem mais restrita do que mereceria, em parte pelas circunstâncias de sua própria vida, marcada pela perseguição política, em parte pela morte prematura de meu pai, seu único filho, o que fez de mim sua única descendente direta e responsável pela divulgação de seu legado através do Instituto Cultural José Siqueira.

A Orquestra Sinfônica Brasileira fundada por meu avô em 1940 era uma Sociedade Anônima, uma ação entre músicos, criada em plena Guerra Mundial com a missão de reunir os melhores instrumentistas presentes no Rio de Janeiro, de propiciar a eles condições favoráveis para o exercício profissional e de oferecer ao público concertos de qualidade inédita à época.

Menos de trinta anos mais tarde, aquela primeira OSB sucumbiu às dificuldades financeiras, às intrigas e às disputas de poder, precisando remodelar-se como Fundação e alterar a participação dos músicos, que deixaram de ser cotistas para se tornarem empregados.

Não cabe a mim fazer juízo pessoal sobre a história dessa orquestra e de suas várias e diferentes direções nos pouco mais de quarenta anos que desde então se passaram, mas a grandeza do prestígio de sua marca e o percurso artístico ininterrupto por ela cumprido ainda a consignam, é inegável, como um dos mais importantes conjuntos sinfônicos do país.

Entretanto, hoje, a dimensão da crise deflagrada é que me leva a escrever esta carta aberta aos músicos da cidade do Rio de Janeiro, não só àqueles que foram vítimas diretas das equivocadas decisões dos dirigentes, mas a todos os profissionais da área, aos professores de música, às entidades de classe, aos patrocinadores da cultura, aos assinantes de temporadas e, sobretudo, aos jovens instrumentistas que almejam um dia exercitar seu ofício em uma orquestra de forma digna. São as características da crise deflagrada que me levam a sugerir aos músicos da cidade do Rio de Janeiro que se unam pela refundação da Orquestra Sinfônica Brasileira, que a façam uma instituição cujo foco seja sempre a melhor qualidade artística, resultante de esforço coletivo e de uma orientação competente, e não objeto de manipulações políticas, de interesses marqueteiros ou de pretensões personalistas.

A OSB mereceria voltar a ser uma ação de músicos pelo bem cultural de nossa cidade, mereceria deixar de estar submetida a conselhos de notáveis sem saber específico ou ao contra-senso dos prepotentes, mereceria o equilíbrio ponderado de cargos de diretor artístico e de regente titular não acumuláveis, mereceria uma orientação executiva enxuta e dedicada à eficiência do desempenho orquestral, mereceria a adesão de pessoas físicas como fundamentais investidoras e o patrocínio de empresas como efetivas parceiras na cadeia econômica da música de concerto e mereceria, também, o aceno das várias esferas de governo através de políticas públicas que atendessem às demandas do setor, pois tudo isto reverteria não apenas em prol da OSB, mas do próprio desenvolvimento humano dos brasileiros.

O Maestro José Siqueira, meu avô, foi um dentre os muitos que um dia se uniram para conceber e organizar a primeira e mais tradicional das grandes orquestras do Brasil. Portanto, não será a ação de uns poucos que haverá de fazê-la calar-se em definitivo, menos ainda sob o pretexto de que tal silêncio seria o prenúncio de uma suposta melhoria da OSB.

Mirella San Martini Siqueira